O QUE É PRECONCEITO LINGUÍSTICO?

25.8.11

JOSÉ / UM NOVO JOSÉ




Carlos Drummond de Andrade

ESCUTE     http://www.youtube.com/watch?v=yUo-decrEmo


UM NOVO JOSÉ


JOSÉ

E agora, josé?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, josé?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, josé?
Está sem mulher,
Está sem carinho,
Está sem discurso,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, josé?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, josé!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, josé!
José, para onde?
Você marcha José, José para onde?
Marcha José, José para onde?
José para onde?
Para onde?
E agora José?
José para onde?
E agora José?
Para onde?


-São Paulo-

Calma, José.
A festa não recomeçou,
A luz não acendeu.
A noite não esquentou,
O Malan não amoleceu.
Mas se voltar a perguntar:
E agora, José?
Diga: ora, Drummond,
Agora Camdessus.
Continua sem mulher,
Continua sem discurso,
Continua sem carinho,
Ainda não pode beber,
Ainda não pode fumar,
Cuspir ainda não pode,
A noite ainda é fria,
O dia ainda não veio,
Não veio ainda a utopia,
O Malan tem miopia,
Se voltar a pergunta,
E agora, José?
Diga: ora, Drummond,
Por que tanta dúvida?



Mas nem tudo acabou,
Nem tudo fugiu,
Nem tudo mofou.
Se voltar a pergunta,
E agora, José?
Diga: ora, Drummond,
Agora FMI
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
O Malan nada faria,
Mas já há quem faça.

Ainda só, no escuro,
Qual bicho do mato,
Ainda se teogonia,
Ainda sem parede nua,
Para se encostar,
Ainda sem cavalo preto,
Que fuja a galope,
Você ainda marcha, José!
Elementar, elementar,
Sigo pra Washington
E, por favor, poeta,
Não me chame de José.
Me chame de Joseph.



    
de Josias de Souza. Fonte: FOLH DE SÃO PAULO. Caderno 1, p.2 – opinião, 04/10/1999.


Esse texto dialoga com o poema de Carlos Drummond de Andrade sem citar a fonte. Nesse caso, se o interlocutor não conhecer uma série de elementos do poema de Drummond "E agora, José ?" comprometerá a construção do sentido do texto. O texto de Josias de Souza foi produzido na forma de poema, mas com função de artigo de opinião. Nesse texto, existem a intergenericidade e a intertextualidade. Há duas funções sobrepostas e dois gêneros que se mesclam: poema e artigo de opinião.

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